quarta-feira, 29 de julho de 2009

Em uma partida de xadrez...

Pôs-me em cheque e me fitou com o rosto ainda voltado para baixo. Do tabuleiro para seu rosto movi o meu olhar e com a voz baixa, mas forte, sentenciei:
- Você joga da mesma forma que eu.
Fez uma expressão tão discreta de dúvida unida a felicidade e medo que se encerrou em dois segundo, mais ou menos, enquanto que eu não tirei os meus olhos dos seus. Estávamos bem ali, aparentemente.
Sacrifiquei uma peça minha, a única torre que me restava, para que tudo no jogo corresse bem e ele recuou. Compreendi a sua tática: estava tentando atrair meu rei para onde ele pudesse tê-lo sem risco. Posicionei minhas peças em defesa de sua tática e avancei o rei. Pouco a pouco, nossas peças iam sumindo do tabuleiro até restarem somente dama e rei. De fora do tabuleiro, os bispos nos condenavam, os peões, coitados, ofendiam-se com tudo em nós dois, mas o que um peão acha que é perante nós dois, rei e rainha?
E assim se deu o jogo: cheques e cheques sem nunca ter tido um fim ou um ápice. Cada vez que eu o intimava, logo ele tratou de se esquivar ileso enquanto as outras peças mal podiam ter percebido isso.

Suponho que tenhamos que declarar empate, apertar-mo-nos as mãos e ir cada um para um adversário novo.

Amém.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O ato de enjoar.

Aprecio a voracidade dos sentimentos. No fundo no fundo, é só isso que se espera; voracidade. É isso que faz você comprar um doce com tanta ânsia e enjoá-lo depois da terceira mordida. É desejar tanto uma coisa e, ao tê-la, desligar-se dela como se nunca a tivesse querido. O necessário, no fim, é tê-la alí, ao seu dispôr.
Nenhum de nós foge à regra, meus caros; longe de mim estar a parte disso.

sábado, 25 de julho de 2009

Insônia - 2ª carta

Estava mirando a rua através de meu minúsculo apartamento de 20º andar, localizado no centro de uma cidade que funciona sem parar durante 24h. Estava camuflado em minha veste preta aconchegante em meio à penumbra, o vento gélido soprava com rigor em minha face como que por provocação. Uma versão em órgão de Toccata and Fugue in D minor ambientava a empoeirada sala. Exceto meu sofá vermelho rubro e as luzes coloridas que vinham das janelas, tudo era de um azul acinzentado mórbido, deprimente. Eu estava perdido em meus pensamentos. Mecânicamente, moví-me até a cadeira da escrivaninha onde ficava minha máquida de escrever. Em um movimento fulgaz, tirei meu casaco de gola rulê e pus-me a pensar: tudo que eu menos precisava era de aconchego naquele momento, pelo menos não de um vindo de uma roupa. A música estava no auge do suspense e eu, realmente, não sabia se escrevia ou se mirava a janela novamente. Ainda sentado, empurrei a mesa pesada à minha frente, que se recusou a se afastar me lançando, ainda sentado, em direção à janela; entendi que alí estava minha resposta. A música começava a acelerar. Pude ver o prédio a frente; a moça loira que dormia com as luzes acesas em sua magestosa cama ocre. Desejei infinitamente estar com ela, tê-la em meus braços, atritar nossos corpos em movimentos calóricos e precipitados e, enfim, umidecer-mo-nos juntos. Grande besteira. Eu não iria lá fora e, mesmo que fosse, ela sequer me notaria. Voltei o olhar um andar acima e vi aquele rapaz que estava sempre alí a essas horas com seu provável único amigo -um computador- . Era pálido, senão pelo avermelhado que sua acne provocara, profanando a semi-perfeição de seu rosto. Deveria ele ser um pouco mais alto que eu e ainda um pouco mais sem expressão também. Virou-se rápido para o lado e pôde me ver. Permaneci imóvel, como uma estátua de gesso e, por um tempo, até convencí-me de ser uma, mas aparentemente não funcionou com minha vítima. Ele levantou, pôs a andar para frente, em direção à sua janela, vindo para mais perto de mim, sem desviar o seu olhar de mim. Minha expressão não estava mudada. Eu o encarava sem pretenção, sem pensamentos, sem nada. Ele acenou um oi despretencioso e eu, em uma meia volta ignorei-o. Fui para um lugar mais escuro, onde sabia que poderia ser observado sem nenhum risco. Deitei-me devagar naquele sofá vermelho que parecia querer me explusar dele. Ouvi a cidade, a música e meus pensamentos.
Dormi por me cansar da monotonia que o dia me tivera trazido e tentei não pensar que esse mesmo dia se repetiria amanhã e depois e depois, com o mesmo garoto da frente me observando, com a mesma mulher loira despreocupada comigo, com o mesmo tudo.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

In.sô.nia - primeira carta

Eu tenho insônia. Estou escrevendo isso, aliás, pois agora, hora em que eu deveria, como toda pessoa normal, estar dormindo, estou aqui. Sabe o que é deitar e ouvir cada barulho? Os cães latem, vez ou outra um automóvel passa na rua, ouço a voz de uma mulher que grita com seu amante por um motivo que desconheço e o vizinho que está reclamando de seu dia cheio com o filho. Concentro-me mais um pouco e vejo as cenas do cotidiano mediocremente normal: as mesmas pessoas de sempre, a fadiga que tenho em olhá-las, a obrigatoriedade que tenho de lhes retribuir gracejos duvidosos ou de, por ventura, me incluir em seus diálogos. Logo me canso e volto-me a mim mesmo, só que dessa vez para pensar em nada ou em tudo ao redor. Penso em como seria se eu não fosse tão adepto ao Byronismo ou às ideologias de Nietchzs. Quão boa deveria ser a vida! Quão viva! Ao invés disso, me queixo de mim, dilacero cada esperança, me perco de Deus e dos deuses, penso como deve ser além da vida e se lá, ao menos eu poderia saber a verdade de tudo ou se porventura eu não teria mais memória de nada. Eu queria mesmo era me esquecer de mim para, enfim, esquecer de tudo.