sábado, 25 de julho de 2009

Insônia - 2ª carta

Estava mirando a rua através de meu minúsculo apartamento de 20º andar, localizado no centro de uma cidade que funciona sem parar durante 24h. Estava camuflado em minha veste preta aconchegante em meio à penumbra, o vento gélido soprava com rigor em minha face como que por provocação. Uma versão em órgão de Toccata and Fugue in D minor ambientava a empoeirada sala. Exceto meu sofá vermelho rubro e as luzes coloridas que vinham das janelas, tudo era de um azul acinzentado mórbido, deprimente. Eu estava perdido em meus pensamentos. Mecânicamente, moví-me até a cadeira da escrivaninha onde ficava minha máquida de escrever. Em um movimento fulgaz, tirei meu casaco de gola rulê e pus-me a pensar: tudo que eu menos precisava era de aconchego naquele momento, pelo menos não de um vindo de uma roupa. A música estava no auge do suspense e eu, realmente, não sabia se escrevia ou se mirava a janela novamente. Ainda sentado, empurrei a mesa pesada à minha frente, que se recusou a se afastar me lançando, ainda sentado, em direção à janela; entendi que alí estava minha resposta. A música começava a acelerar. Pude ver o prédio a frente; a moça loira que dormia com as luzes acesas em sua magestosa cama ocre. Desejei infinitamente estar com ela, tê-la em meus braços, atritar nossos corpos em movimentos calóricos e precipitados e, enfim, umidecer-mo-nos juntos. Grande besteira. Eu não iria lá fora e, mesmo que fosse, ela sequer me notaria. Voltei o olhar um andar acima e vi aquele rapaz que estava sempre alí a essas horas com seu provável único amigo -um computador- . Era pálido, senão pelo avermelhado que sua acne provocara, profanando a semi-perfeição de seu rosto. Deveria ele ser um pouco mais alto que eu e ainda um pouco mais sem expressão também. Virou-se rápido para o lado e pôde me ver. Permaneci imóvel, como uma estátua de gesso e, por um tempo, até convencí-me de ser uma, mas aparentemente não funcionou com minha vítima. Ele levantou, pôs a andar para frente, em direção à sua janela, vindo para mais perto de mim, sem desviar o seu olhar de mim. Minha expressão não estava mudada. Eu o encarava sem pretenção, sem pensamentos, sem nada. Ele acenou um oi despretencioso e eu, em uma meia volta ignorei-o. Fui para um lugar mais escuro, onde sabia que poderia ser observado sem nenhum risco. Deitei-me devagar naquele sofá vermelho que parecia querer me explusar dele. Ouvi a cidade, a música e meus pensamentos.
Dormi por me cansar da monotonia que o dia me tivera trazido e tentei não pensar que esse mesmo dia se repetiria amanhã e depois e depois, com o mesmo garoto da frente me observando, com a mesma mulher loira despreocupada comigo, com o mesmo tudo.

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